A Primeira Impressão é a Que Não Fica

05/04/2018

Porque será que quando você sai de si, e se mete por ai fazendo coisas que nunca pensou em fazer, acaba se encontrando com alguém que marca seu dia? 

Não que pegar aquele ônibus e sair na direção do nada fosse a única opção. 

Tinha a praia, era verão, com um calor de quase quarenta graus; tinha a fome, com algum lugar esperto por perto pra comer, e tinha a paisagem da janela de casa, décimo andar, de frente prum monte de prédio repleto de gente fazendo coisas interessantes. 

Mas agora estava ali, naquele buzão sem ar condicionado, repleto de gente, pessoas ávidas por chegar em casa para tomar um banho, esticar as canelas no sofá e se esparramar. 

Ela não era uma pessoa imperceptível, meio gordinha, um perfume meio forte, e um celular com capa cheia de luzinhas, cabelos esvoaçantes na janela diante da paisagem. 

O que me chamou mais atenção foi sua habilidade com o teclado no vai e vem das mensagens do celular, que de vez por outra fazia um barulhinho estranho que completava minha curiosidade.

Geralmente fico sentado no banco junto ao corredor. Fujo da janela com medo de ser imprensado, ou de servir de travesseiro pra algum sonolento coçador de saco. 

Homens são assim, sentam com as pernas abertas, e mulheres com os braços espalmados pra se sentir mais confortáveis. 

Sentar no corredor também é chato, tempos de rejeição a assédio me fazem fugir de certos encochamentos, masculinos e femininos. 

A única coisa que queria naquela viagem era chegar ao ponto final, mas mal tinha entrado, e já estava doido pra chegar. 

Me fixar nela não levou muito tempo, não tinha nada além chamando minha atenção, nenhum vendedor de mercadoria roubada, nenhum pregador oferecendo mensagens em troca de trocados, nenhuma briga, nenhuma discussão, ninguém falando alto com uma boa história. 

Não é difícil puxar conversa com alguém quando se é um solitário. Basta abrir a boca e falar como se não tivesse ninguém ao lado, e com ela não foi diferente. 

"Tenho que parar de andar de ônibus, fico com medo desses novos, sem trocador. Parece que vamos ser assaltados e o cara vai perder a direção por estar no lugar errado", falei.

Como é sabido, não é fácil chamar a atenção de alguém ao celular. A melhor estratégia é puxar seu celular do bolso, e colar o olho na tela. Na primeira olhada de lado da senhora ou senhor ninguém vem a resposta. 

"Como assim?" foi o que ouvi dessa vez. 

Aquele celular de tela grande, com capa engraçada podia até me dar uma pista de quem ela era, uma garota medíocre, com um papo vulgar, talvez uma mulher empoderada, dona de um bom emprego, cheia da situação, ou quem sabe uma gostosa, mulher de algum manda chuva do pedaço. 

Como podia teclar tão rápido com as unhas daquele tamanho? 

A história do medo de assalto rendeu, veio no rastro o trabalho, a escola, a família, as interrogações que me faziam parecer um terapeuta juvenil querendo encontrar o cerne da sua existência, descobridor de habilidades que a gente encontra para quando está se preparando para o futuro. 

Foi nesse ponto que cismei de lhe dizer a frase idiota que se tornou a síntese dessa narrativa:

"Estou tendo uma boa impressão de você, e a primeira impressão é a que fica!" 

O silêncio que veio em seguida foi mortal. 

Pediu-me licença, passou meio que desviando por sobre a minha perna, e mudou de lugar. 

Fiquei sei entender. Peguei o celular e teclei para o mensageiro que me deu. 

"O que houve?" perguntei. 

Antes de ser deletado recebi, "você não faz o meu tipo!". 

E pensar que só estava querendo puxar conversa, mas acabei me transformando no chato que conseguiu lhe dar a pior impressão naquele dia.

Bira De Oliveira 

Feliz Sem Idade - Neoguru Birya Sancho
Todos os direitos reservados 2017/21
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora